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revista soul digital

Contrato de namoro? #Como assim?

Vivemos uma época estranha. As redes sociais viraram um campo de batalha com muita gente xingando alguém, sem imaginar que cada xingamento seja um crime. As relações amorosas também surpreendem, são namorados e cônjuges se matando. Parece que desinventaram a gentileza e a má-fé triunfou.


Rusgas, ofensas, brigas e crimes sempre houve desde que o mundo é mundo. Mas quando a coisa chega ao amor, surpreende. E surpreende por um romantismo sonhador, admita-se, de que o amor deveria ser imune a tudo isso.


Na sanha de todo mundo exigir direitos, o que para muitos seria um sinal de evolução social, aparecem, na sociedade brasileira, em quantidade abundante, os ‘espertos’. Aquelas pessoas que vivem da má-fé e só pensam em levar vantagem em detrimento alheio.


No último Boletim da AASP, Associação dos Advogados de São Paulo, maio de 2021, lê-se a notícia de que atualmente há um crescente número de contratos de namoro e união estável. E até contratos de não namoro, seja lá isso o que for. Mas não para aí. É tudo sempre formalista, caro e burocrático: feito em cartório. O cínico diria que as pessoas gostam de perder tempo e gastar dinheiro; e ele não estaria errado. Mas, cada um sabe de si.


Contrato é um instituto jurídico regulado em lei. Obedece a princípios próprios. Costuma ser conceituado genericamente como um acordo de vontades. Para surpresa de muitos, não precisa de caneta e papel para existir juridicamente e causar efeitos, perfeitamente, dentre eles o de obrigar os contratantes. Muito menos requer reconhecimento de firma e muito, muitíssimo menos ainda há obrigação de ser feito em cartório. Salvo raros casos específicos, os contratos na sua esmagadora maioria não precisam desses formalismos. Para quem não ‘acredita’, basta ver o Código Civil nos artigos 104, 107, 111, 421, 422, 425, 427.


Repare-se que a relação jurídica da união estável também não precisa de caneta e papel. Um simples acordo entre pessoas, ricas ou pobres, para este fim, feito e assinado por ambos, numa folha de caderno, à caneta, sem qualquer reconhecimento de firma ou testemunhas, e não feito em cartório, vale jurídica e totalmente.


Ou por que a sua assinatura autêntica numa declaração espontânea de vontade não valeria? Experimente assinar algo e depois querer que não valha para ver se você vai conseguir.

Só se houver um vício de vontade, ameaça etc.


Aí aparece o contrato de namoro. Mas como é isso se o namoro não é e nem nunca foi uma relação jurídica? Como um contrato regularia um mero namoro? Quantos beijos por dia, quanto sexo por semana, ou o quê? A regra é que só as relações jurídicas interessam ao Direito, como o casamento, a união estável, os contratos jurídicos e tantas outras relações jurídicas. Amizade, conhecimento, simpatia, namoro, sexo, noivado, brigas e rompimentos amorosos de namorados e noivos, nada disso é relação jurídica e interessa ao Direito.


Do mesmo jeito, não interessa ao Direito com quem a pessoa com mais de 18 anos dorme, namora, convive, o que faz, com quantos parceiros faz etc. Se é amizade colorida, preto e branco, sépia, roxa cintilante, fiel, infiel, plural, aberta ou fechada, nada disso interessa ao Direito.


Até a fidelidade que aparece como fator jurídico nas duas relações jurídicas. Assim, por exemplo, a pessoa casada, mas separada de fato, pode constituir união estável, conforme o Código Civil, artigo 1723, § 1º, com a não aplicação do artigo 1.521, inciso VI.


Mas o contrato de namoro pode ter uma interessante ‘utilidade’ jurídica, que jamais é regular o namoro em si, mas ser um contrato de evitação, um pacto que impeça a formação de união estável, esta sim uma relação jurídica. Como a união estável pode ser formada tacitamente, sem necessidade de papel e caneta, pela simples convivência conforme o Código Civil, espertalhões podem querer, unilateralmente, transformar o namoro em união estável visando a benefícios financeiros posteriores. Fala-se em golpe do baú, ou regime do caminhão de bens.


É claro que quem desvirtua unilateralmente um namoro está de má-fé. Simples assim. Se o que se quer, até segunda ordem, é um simples namoro, deve-se aguardar, ou se renegociar um novo acordo para se alterar a situação.


Outra questão é que há necessidade de um contrato de namoro para impedir a constituição de uma união estável, há que se desconfiar que este companheiro não seja lá das pessoas mais confiáveis do mundo, não é verdade?


O fato é que um contrato de namoro pode ser extremamente simples, simplório mesmo, e totalmente válido.

Pode ter 2 ou 3 linhas e ponto final, nada mais, ainda que para formalistas e outros caretas isso possa ser um risco contratual nuclear. Basta um documento conter o nome dos contratantes, o cpf e um texto que afirme ‘os contratantes concordam permanecer como namorados e não instituir uma união estável’. Enquanto ambos não rasgarem as suas vias, a menos que se unam verdadeiramente como rege o Código Civil, art. 1.723, só haverá um namoro e nada mais.


Se ambos assinarem essas ‘2 linhas’, estará afastada a união estável. A união estável como está na lei é a convivência, pública, contínua, duradoura dos unidos com objetivo de constituição de família. Já o casamento é feito em cartório ou num altar de alguma das religiões nos moldes do Código Civil, arts. 1.515 e seguintes.


Mas não acaba aí. Há também a curiosidade do tal contrato de não namoro. Isso mesmo. Um contrato juridicamente negativo que tem por finalidade uma autêntica impossibilidade: regular juridicamente um nada. A situação é risível por si só. Afinal, por que se regular contratualmente o surgimento de uma relação que não é jurídica? Será que o mundo enlouqueceu? Repare-se que não é um contrato de não união estável, mas um contrato de não namoro. É o mesmo que se querer regular juridicamente a amizade, a simpatia ou mesmo o amor, como sentimentos.

Pessoas de boa-fé não deveriam precisar escrever e assinar a sua boa-fé, já que ela existe e é perceptível.


Infelizmente, não é todo mundo que sabe enxergar isso. Por outro lado, a boa-fé parece estar cada vez mais rara neste Brasil atual da lacração, da polarização política e dos diversos ódios orgulhosos que circulam na internet.


O contrato, como instituto jurídico, acaba servindo para muita coisa, muitas relações, mas nós, os primatas superiores, devemos usar a inteligência para conhecer o parceiro, o namorado. Pelas pequenas coisas, ou pela maior de todas: o amor e a boa-fé envolvidos.


Este artigo na sua forma jurídica, pode ser lido no site Migalhas

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